sexta-feira, 28 de maio de 2021

MEMÓRIA

Centro Social Urbano - 1976-2021. Na foto, ruínas de um dos módulos onde ocorriam as oficinas e os cursos promovidos pela entidade.


CSU*
Pawlo Cidade


Você conheceu o CSU? Você sabia que o Centro Social Urbano – CSU, foi um dos maiores centros de convivência comunitária de Ilhéus? Pois é, hoje eu vou falar dele. 

Eu tinha 8 anos de idade quando o Centro Social Urbano – CSU, foi inaugurado no bairro da Barra, em 15 de setembro de 1976. Ao redor do CSU havia apenas pés de manga, muito mato e um extenso manguezal. Depois, veio a invasão que se juntou aos primeiros moradores do lugar: Seu Eurico com dona Mocinha, Seu Vavá com dona Maria, Seu Derneval com dona Isabel, Seu Clodoaldo com dona Pilú, Seu Zumar com dona Zenilda, Seu Ermiro e dona Tomázia, Seu Getúlio e dona Marita, meus pais. Nós chegamos cinco anos depois, em 1981.

Os Centros Sociais Urbanos foram criados na Bahia, pelo ex-governador Roberto Santos, com o objetivo de regular a vida dos trabalhadores no uso de seu tempo livre com atividades voltadas para a educação, arte, esporte, inclusão digital, qualificação profissional, educação infantil, apoio a grupos de convivência, os cuidados com a saúde e criar um vínculo com a comunidade. E conseguiu. 

O CSU não caiu na Barra de paraquedas. Houve toda uma caracterização da área que reuniu todos os elementos comunitários, bares, terreiros, igrejas, escolas e a população por faixa etária. O equipamento trouxe a população para perto da instituição. As festas de São João, os campeonatos esportivos, as comemorações de fim de ano, sempre contavam com a arrumação e a participação da comunidade do entorno. Todos se sentiam pertencentes do CSU: dona Neuza, Zezé, Bala, Borges, Walmir, Barbudo, Raildo, dona Tereza, Seu João, Jason, Gentil. Muitos já se foram, mas alguns ainda são a memória viva daquele espaço de lazer e convivência. 

Houve uma época que o CSU ficou tão forte e tão conhecido que ele acabou virando nome de bairro. “Você mora onde? No CSU!” “Qual é a rua que você mora?” Eu dizia: “Rua Centro Social Urbano”. E está assim até hoje nos Correios, embora o nome da principal rua tenha sido rebatizado há dois anos de “Rua Djan Lima Silva”, em homenagem ao produtor musical “Geninho”, que morou na entrada da rua, ao lado de onde foi construída uma quadra de esportes, onde, outrora, funcionou durante muitos anos uma serraria.

Foi no CSU que eu e mais quatro companheiros fundamos o primeiro clube de correspondência da Bahia, a Friendship Marvel Brasileira. Foi lá também que aprendemos a jogar futebol com o professor Renato e o professor Fred; a treinar volley com Odilon, a dançar quadrilha junina com Sales; a aprender postura, bons modos e português instrumental com o professor Maciel. Participamos de cursos e oficinas de artesanato, de pintura em tecido, de desenho, bordado a mão, bordado à máquina, tapeçaria, arte culinária, cozinha básica, primeiros socorros, datilografia com a professora Ludmila e produção de sabão em barra.

Havia também aulas de manicure, pedicure, corte e costura, dança, música, teatro. E as crianças brincavam de baleado, pega-pega, amarelinha e estafetas com monitores de jogos e recreação. Ensaiei peças de teatro, aprendi kung fu com Edilson, pintei cenários, e fiz até curso de pedreiro com mestre Antônio, que hoje é conhecido como Raul, o profeta, que anda de bicicleta para cima e para baixo no centro da cidade.

Foi no CSU também que participamos de vários torneios esportivos, gincanas, projetos de jardinagem e horticultura. E havia ainda um trabalho de acolhimento de idosos, de menores em situação de vulnerabilidade social, apoio a gestantes e recém-nascidos e um programa de alimentação familiar, palestras sobre gravidez na adolescência, doenças sexualmente transmissíveis, direitos civis. As portas do CSU sempre foram abertas para a comunidade. Até um grupo de escoteiros, coordenado por Jessé e grupos de capoeira desenvolveram suas atividades no CSU. 


Módulo onde funcionava o posto de saúde. Foto de Eli Santos


Frequentávamos ainda a biblioteca pública comunitária, participávamos de concursos e torneios, representando Ilhéus em várias outras cidades que também tinham CSU’s, como Jaguaquara, Feira de Santana, Juazeiro, Alagoinhas, Paulo Afonso, Santo Antonio de Jesus, Valença, Vitória da Conquista, Serrinha, Senhor do Bonfim, Teixeira de Freitas, Cruz das Almas, Lauro de Freitas, Itapetinga, Guanambi, Coaraci e Caetité. 

O CSU era o melhor lugar para namorar, se divertir e, sobretudo, fazer amigos. Amigos que se foram como Dai e Jorge Motor; Liquinha e Linho; Drico, Tico e Haroldo. Amigos e amigas que fizeram parte da turma daquela rua, como Nívea, Lívia, Lizete, Diu, Eliene, Luciene, Cássia, Célia, Alda, Nai, Tina, Paulinha, Quinho, Albene, Ró, Celiene, Irene, Hamilton, Mara, Ninha, Du, David, Beto, Jorge, Jean, Marcos Cabeção, Negão, Nego Veio, Tita, Sapecado, Rubens, Ivete, e tantos outros.

Mas o governo abandonou o CSU. Ninguém ligava mais para as paredes, os telhados, portas, janelas, o piso de cada um daqueles módulos. O CSU virou apenas um cabide de emprego. A estrutura foi se deteriorando, caindo, morrendo. A única unidade escolar com jardim de infância da Rede Estadual da época foi desativada anos depois, os cursos foram extintos, o campo de futebol abandonado e a quadra de esportes depredada. Lembro ainda que eu e Quinho pintamos a quadra, durante uma reforma. Éramos dois adolescentes tirados a letristas, que sabiam desenhar, e o engenheiro encarregado nos contratou. Ganhamos um bom dinheiro e nos sentimos orgulhosos por ter contribuído com aquele espaço que era nosso também.

O CSU viveu, entre apogeu e ruína, 44 anos. Agora, não existe mais. Em seu lugar será construído a Escola de Tempo Integral, um projeto arrojado do governo do estado que promete ser maior e melhor do que foi o CSU um dia. Espero que a placa fundamental traga um pouco desta memória e ao morador mais velho da comunidade lhe deem a honra de inaugurar a escola . Afinal, aquele foi um lugar que formou cidadãos, homens de caráter e pessoas que acreditavam em dias melhores para Ilhéus.

* Publicado originalmente no site e no programa de rádio O Tabueiro. Também pode ser lido este e outros artigos neste endereço: https://www.otabuleiro.com.br/column/csu 

Um comentário:

  1. Paulo meu lindo! Que lindas memórias da vida do CSU...Fiquei extremamente comovida compartilhando as suas memórias, orgulhosa por ter participado dessa História...Parabéns!!

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