sábado, 11 de setembro de 2021

UMA FÁBULA SOBRE AS ELEIÇÕES


ELEIÇÕES NA FLORESTA

Pawlo Cidade

Reino animal: Principais características e divisões - VouPassar


O leão estava confiante. Mesmo depois de ter feito um governo meia boca, graças à ajuda do governador leopardo, foi para a reeleição. Mas seu principal opositor, a jaguatirica, vinha subindo nas pesquisas e atacando de forma ferrenha, as áreas em que o leão tinha deixado a desejar. Sobretudo o Morro das Hienas e as ruas sem calçamento do bairro das raposas. 

Com a intervenção dos abutres, aves de rapina que não se contentavam apenas com as sobras dos felinos, o leão conseguiu fazer acordo com os macacos ladinos, de uma raça de primatas que se achava superior aos demais da própria espécie, com as peçonhentas surucucus e os jacarés oportunistas dos partidos nanicos que ensaiaram campanhas, mas no fundo queriam uma boquinha do governo do leão, caso fosse reeleito. É bem verdade que a pandemia ajudou mais do que prejudicou o pleito eleitoral, pois o leão já tinha sua base e os opositores ainda a estavam construindo. 

Porém, o tempo curto, imposto pelo Tribunal Superior Eleitoral da Floresta, o TSEF, acabou favorecendo quem já estava no poder. E o leão foi reeleito com 40% dos votos de todo o reino animal. Até as zebras, quem diria, votaram no leão, porque este havia prometido não mais comê-las enquanto estivesse no governo. Entretanto, as más línguas, diziam que na calada da lua cheia, mesmo durante o período de campanha, um chimpanzé, que pertencia à raça dos ladinos, flagrou o leão comendo uma zebrinha jovem que depois foi vista, ninguém sabe como, a frente de um dos mais importantes cargos da Secretaria de Assistência aos Bichos. Corria a bocas miúdas e depois passou a ser notícia em todos os jornais, que a zebrinha havia ressuscitado. Portanto, um milagre no reino. Mas como todas as zebras se parecem, a assessoria de comunicação do governo reeleito tratou de chamar o boato de fake news e ficou por isso mesmo.

Em seu segundo mandato, o leão cumpriu logo o acordo que fez com os macacos, elegendo o gorila como líder da câmara para controlar a diversidade que virou o legislativo: um alce, que todos sabiam que era veado; cinco macacos ladinos, sendo três chipanzés, um orangotango e um gorila; uma coruja e dois pardais da oposição; quatro raposas, duas em seu quarto mandato; um leão e um tigre. No fundo, o desafio não estava em controlar a forma de pensar dos nobres edis, mas em conter a fome dos neófitos que sonhavam ocupar todos os cargos do governo, principalmente depois que o leão prometeu recompensá-los pelo apoio a candidatura do gorila. Mas confessou, em segredo, ao chefe de gabinete, o senhor porco, que, provavelmente, não cumpriria a promessa com as zebras, muito menos com os veados, porque sua natureza originária o impedia de conter aquilo que ele mais apreciava. E seu apetite, sem dúvida, era maior que a assinatura de um papel.

Enquanto isso, a sociedade do reino que pagava o preço de ter reelegido o leão, se organizava em conselhos, observatórios e movimentos para complicar o mandato do leão na esperança de se fortalecer para eleger alguém comprometido com os pavões, um grupo espertalhão de falidos que mamaram durante muito tempo nas tetas do governo, bem como os búfalos e os gnus da empoeirada savana que corriam de um lado a outro do pampa sem saber para onde ir. 

No seu mandato, certamente o leão iria enfrentar o barulhento movimento das maritacas pela casa própria, depois que o chefe do executivo mandou derrubar as cinqüentenárias amendoeiras da avenida em prol do desenvolvimento. E também a oposição da aliança que se formou entre as girafas democratas que se autodenominavam de “nova política da floresta” e as combatentes da gordofobia, os hipopótamos; ou ainda a luta solitária do tatu bola que erguia a bandeira de uma cultura que já havia morrido, mas que a todo custo tentava ressuscitar. Ou talvez da campanha pela invasão dos sítios urbanos que vinha ganhando força e era liderada pelos ratos que já ocupavam os esgotos da cidade. 

Ainda bem que tudo isso não passa apenas de uma fábula que, por mais que ela se assemelhe a vida complicada, burocrática e ardilosa do ser humano, será compreendida apenas pelas corujas, eternas vigilantes, mesmo em noites sem lua e sem esperança, que estão o tempo todo a nos espiar.

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