domingo, 7 de novembro de 2021

AS DOCES AMARGAS MEMÓRIAS DE PEDRO E ALICE

 


Relacionamentos que começam com experiências públicas nunca dão certo. O meu tinha tudo para dar errado. Eu era seu professor, apesar de ela ser uma garota madura para sua idade: “Inteligente, sarcástica e rebelde”. Eu confesso que nunca fui tão feliz. E como sofri tanto!

Fechei o notebook depois de dizer, pela primeira vez, meu nome verdadeiro para aquela tal de “Sininha”. Se é que era “sininha” mesmo. E se fosse um homem se fingindo de mulher? Ri sozinho. Fiquei até com vontade de convidar a misteriosa “Sininha” para conhecer a maravilhosa Terra do Nunca: meu quarto e sala da Avenida Central. Ser solteiro tem suas vantagens e morar sozinho é um viva a liberdade! Prato sujo na pia, cueca no banheiro, toalha molhada no cesto de roupa enxuta, guarda-roupa pelo avesso, lixeira cheia até a tampa, chão melado da última vitamina que eu fiz, dezenas de exames dos alunos do segundo e terceiro ano espalhados pela mesa, pelo sofá e pela cama e ainda ouvir “Como eu quero” do Kid Abelha mais de vinte vezes sem ter ninguém para gritar com você: “Desliga esta merda! ” Já eram quase duas horas da manhã quando dormi, ali mesmo, na sala, embalado pela voz de Paula Toller

Acordei atrasado e sai debaixo de chuva. Consegui pegar o primeiro horário da turma A, depois peguei mais duas na turma C e por fim resolvi elaborar um teste para aplicar na turma B. Fiquei na secretaria até meio-dia. Quando fui saindo, dei de cara no portão principal com ela. A chuva continuava caindo forte. Um pé-d´água tremendo. Sorte que a cobertura do portão protegia da chuva.

- Oi! – Ela sorriu. Parecia mais amável. Bem diferente da primeira vez que a gente se digladiou na sala.

- Olá, Administradora de Empresas! E então? Já sabe fechar um balancete com uma tabela periódica? – Arrisquei uma piada. Era melhor ter sorrido de volta com um “Oi” também.

- Eu precisaria ser em primeiro lugar burra e em segundo professor de química!

Ri meio sem jeito. Mas não me intimidei:

- O que não seria um mau negócio.

Ela foi ainda mais sarcástica:

- Claro! Ganhar pouco, dormir tarde, passar fim de semana corrigindo provas!

- O salário pode não ser bom, mas eu gosto do que eu faço. – Estava sério.

- Hum, um idealista!

- Pelo menos eu tenho uma causa pela qual lutar.

- Eu também. Mas quando a gente chega à velhice, as causas são outras. – Ela me chamou de velho com classe! E eu só tinha 33!

- A falta de argumento é típica da pré-adolescência. – Sentenciei. 

- Então! – Exclamou. E a gente ficou ali, no portão da escola, olhando um para a cara do outro, como se fossem dois lutadores de MMA só esperando a hora do juiz dar o sinal e a gente partir para a briga. Foi até engraçado. Ela foi a primeira a quebrar o silêncio.

- O “velhinho” e a “criancinha” presos por causa da chuva. Vai dar o que falar.

- De jeito nenhum! A última coisa que eu gostaria de ter era uma amizade com uma aluna atrevida, metida e chata. – Fiz uma careta irônica.

- Vou chamar isso de elogio. – Respondeu com outra careta.

- Eu não teria tanta certeza. – Franzi a testa.

- Você não sabe o que está perdendo. – Ela esticou o dedo e tocou no lado direito do meu peito.

Dei de ombros. Aquela direta era uma indireta ou direta? Ou eu entendi tudo errado? Vai saber! Resolvi participar do jogo.

- Eu sei o que NÃO estou ganhando!

- Tem razão. – Concordou. A chuva diminuiu de intensidade. 

- É mesmo?

- Tudo bem. Eu vou indo. – Disse. Em seguida acrescentou: 

- Está ficando tarde. Já são 12:1, vou aproveitar a estiagem. Salomão fica furioso quando chego depois do almoço.

- Seu pai?

- Sim.

- Para que lado você está indo? 

- Zona Norte. Por quê?

- Quer uma carona? 

- Eu pensei que você não queria fazer amizade.

- Mudei de ideia. – Fiz sinal para que ela me acompanhasse. A minha gentileza abriu um precedente. Talvez fosse melhor não ter oferecido a carona. 


(CIDADE, Pawlo. AS DOCES AMARGAS MEMÓRIAS DE PEDRO E ALICE, Editora Mondrongo, Itabuna-Bahia, pp. 20-23).

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