sábado, 29 de outubro de 2022

VEJA O QUE FALOU ANTÔNIO LOPES, ESCRITOR E MEMBRO DA ACADEMIA DE LETRAS DE ILHÉUS SOBRE "O COLECIONADOR DE LEMBRANÇAS"


Antônio Lopes é membro da cadeira nº 4, 
da Academia de Letras de Ilhéus


A quem interessar possa, digo que muito me agradou este O colecionador de lembranças, do acadêmico Pawlo Cidade, destacando a perfeita apreensão que o autor faz do quadro definidor da vida interiorana. Logo às primeiras páginas, já apresentado o velho Otaviano de Maria, personagem principal, esbarra no leitor um esbaforido “Eunápio de Benzinha, neto de Januário de Jandira, filho de Raimundo de Madalena, o Raimundo Sapateiro.” Está apresentado o ambiente da história, o povoado de Santa Maria, Distrito de Coutos.

Quem nasceu ou viveu em qualquer pequena comunidade brasileira bem sabe dessa ligação do nome à família, ao pai ou à mãe (“Eunápio de Benzinha”), quando não seja à profissão (“Raimundo Sapateiro”) ou mesmo a defeitos físicos (na minha adolescência em Ilhéus, tinha certa fama um sujeito chamado “Paulo Capenga”, epíteto hoje impensável). Não esquecer que um dos nomes mais respeitados da história da poesia popular nordestina (a que a mídia apelidou “literatura de cordel”) era o Cego Aderaldo (por extenso, Aderaldo Ferreira de Araújo, cearense do Crato).

À parte estas considerações, Pawlo constrói um personagem curioso, esse Otaviano de Maria, que se notabiliza por uma estranha mania de pôr nas coisas nomes de pessoas do lugar). Os indivíduos que o cercam têm nomes incomuns, ou (se querem) adequados ao meio: Benjamim de Glória, Mariana de Apolinário, Ruth, Rebeca e Raquel de Estevam (trigêmeas carpideiras, exímias no canto de incelenças), Januário de Jandira, Ernestina de Benjamim, Genivaldo de Jacobina (mais conhecido como “O vaqueiro-sem-ovo”), por sinal, filho de Apolinário de Helena – e bichos também curiosos, a exemplo do gato Napoleão e um boi que atende (atende, de fato!) pelo nome de Rubião. 

Esse Rubião é “boi guzerá de quase mil quilos que o velho criava como um cachorro e atendia pelo nome”, merece descrição em detalhes: “focinho preto, narinas dilatadas e úmidas, orelhas internas alaranjadas e de pontas arredondadas, o pelo azulado – diferente de todos os guzerás existentes, davam a Rubião uma imponência, um poder, uma majestade incomparável a qualquer outro boi da região.” Mas não exageremos: o boi de Pawlo Cidade, com características de cão de guarda, pronto a avançar na garganta de invasores e intrometidos em geral, não fala (nem late). E se não o faz é por escolha de seu criador, que não o dotou desta característica, própria dos bichos do mundo maravilhoso. Mas, ainda que seja um Rubião silente, dá ao romance certa insinuação de literatura fantástica. Por certo, se esse bovino falasse teria vaga no acervo de outro Rubião, o Murilo.

O autor constrói seu Otaviano de Maria, colecionador de lembranças, como um cavaleiro muito estranho, mergulhado no universo próprio. Veste-o com certa armadura quixotesca e o faz lutar (consigo mesmo) lutas inverossímeis, poder que é uma espécie de herança, pois seu pai, Sebastião de Varela, era dado a andanças pelo campo do maravilhoso. Tanto é verdade que o menino Otaviano, em época distante, viveu episódio memorável: na garupa com o pai Sebastião de Valéria, já velha a noite (quando os gatos não têm cor e a imaginação, freios), viu-se em grande perigo, pois “um dragão vermelho, de sete cabeças e dez chifres, e sobre suas cabeças sete coroas, saltou sobre eles”. O menino Otaviano viu com seus olhos Nossa Senhora das Estrelas abandonar a inércia, apatia e indiferença comuns às estátuas e, na divina mão grande, sem intermediários, enfrentar toda aquele despautério de cabeças e chifres que ameaçava pai e filho. Resumindo a batalha inusitada, o autor diz, e nele eu acredito, que “era uma visão apocalíptica”.

Sobre essa luta fantástica, sem mais spoilers, adianto-lhes apenas o epílogo, com a fala modesta da Santa guerreira, dirigida a Otaviano e Sebastião:

– Agora já podem passar. O caminho está livre – disse Nossa Senhora.

Permitam-me sugerir: quem tiver oportunidade, leia O colecionador, de Pawlo Cidade.

A.L.

sexta-feira, 16 de setembro de 2022

CONHEÇA OS LOCAIS DE LANÇAMENTO DE "O COLECIONADOR DE LEMBRANÇAS", NO MÊS DE OUTUBRO

A Editora Teatro Popular de Ilhéus e o escritor Pawlo Cidade lançam o livro “O Colecionador de Lembranças”, na próxima sexta-feira, dia 07 de outubro de 2022, às 19 h, na sede da Academia de Letras de Ilhéus. A edição é a mais nova produção da editora literária ilheense, que vem promovendo nos últimos anos nomes de renome nacional a exemplo de Sosígenes Costa e Jorge de Souza Araújo, assessorando novos escritores com equipe para serviços de edição, diagramação e impressão e que possui um catálogo composto por mais de 30 obras publicadas. Em breve, o livro será lançado também nas localidades de Barra Grande (8/10) e Taipu de Fora (9/10), em Maraú, na Feira Literária de Serra Grande, na Feira Literária do Sul da Bahia, em Itajuípe e em Vitória da Conquista (14/10).

Pedagogo, especialista em gestão cultural pela UESC, Pawlo Cidade atualmente preside as atividades da Academia de Letras de Ilhéus, na qual ocupa a cadeira de número 13, que pertenceu ao seu fundador, Jorge Amado, e posteriormente a escritora Zélia Gattai. Com 20 livros publicados, o autor ilheense que vem se destacando no cenário literário baiano e nacional lança agora sua vigésima-primeira ficção “O Colecionador de Lembranças” que aborda o cotidiano dos moradores da Vila de Santa Maria, lugarejo “situado historicamente na primeira década do século passado em terras ilheenses, numa leitura profunda e agradável, bem ao estilo do autor e seu realismo mágico”, segundo o historiador e poeta André Luiz Rosa Ribeiro.

Na opinião do escritor e tradutor Ivo Korytowski, “Pawlo Cidade é um cultor contemporâneo do realismo fantástico ou mágico, gênero de que a América Latina de língua espanhola foi pródiga na segunda metade do século XX (autores como Júlio Cortázar, Gabriel Garcia Márquez, Isabel Allende alcançaram fama internacional) e que, no Brasil, cujo ambiente literário foi dominado por mais de meio século pelo modernismo, manifestou-se sobretudo na teledramaturgia, em novelas de enorme sucesso como Saramandaia, Roque Santeiro, O Bem Amado. Mas conquanto a obra tenha muito de ficção, obras de autores contemporâneos como Eliezer Moreira e Pawlo Cidade mostram que, em pleno século XXI, nosso velho “regionalismo” continua vivo. Podemos afirmar que O colecionador de lembranças já nasce um clássico da literatura ilheense!”.


Elson Rosário
Ascom -TPI
73 98822-0057



Academia de Letras de Ilhéus, dia 7 de outubro de 2022

Espaço Seu Zezinho, Barra Grande - Península de Maraú



Restaurante Odoyá, Taipu de Fora - Península de Maraú



Livraria Atlântica, Shopping Boulevard, Vitória da Conquista

domingo, 31 de julho de 2022

TODOS NÓS TEMOS LEMBRANÇAS BOAS E RUINS...


 

Criamos este vídeo para o Instagram. Adquira logo O colecionador de lembranças. Tiragem limitada desta edição. Se quiser comprar via cartão de crédito, acesse a plataforma da Catarse clicando aqui. Caso deseje fazer um PIX,  o número é 73.99998.2555. Não esqueça de enviar o comprovante.

domingo, 24 de julho de 2022

O COLECIONADOR DE LEMBRANÇAS JÁ TEM UMA CAPA DEFINITIVA



Como está assinalado na campanha da plataforma Catarse, a capa de O colecionador de lembranças é de João Ricardo, com pintura do artista plástico Guilherme Albagli. Quem fotografou a pintura foi Ruy Penalva. O livro será lançado em outubro pela Editora do Teatro Popular de Ilhéus com apoio de todos os que adquiriram na pré-venda (que vai até 15 de agosto) e patrocínio da empresa CF & Carvalho Serviços e Construções.

Trecho. Enquanto as horas eram distribuídas entre a alvorada e o pôr-do-sol e em três vigílias distintas, a memória se assemelhava a uma linha tênue que se rompia gradativamente ao longo dos anos. Os santa-marienses sofriam de uma epidemia de amnésia que foi piorando ao longo do tempo. Podia-se afirmar que aquele lugar fora absorvido pela síndrome do esquecimento. Crianças, jovens e velhos contraíram a doença. Gentios, parentes e visitantes que pernoitavam em Santa Maria eram contaminados pela síndrome. Quando voltavam para suas regiões, eram acometidos por lapsos constantes de memória.

A campanha da pré-venda está na plataforma Catarse (clique aqui) ou diretamente pelo Pix (73) 9.9998-2555. 


sexta-feira, 1 de julho de 2022

A PRÉ-VENDA DE "O COLEGIONADOR DE LEMBRANÇAS" JÁ ESTÁ NO AR. VEJA COMO ADQUIRIR E APOIAR





O COLECIONADOR DE LEMBRANÇAS

De todos os romances que escrevi, O COLECIONADOR DE LEMBRANÇAS é uma história especial, cheia de paixão, de vida, de vivências reais e imaginadas que fará você se envolver com cada uma de suas personagens. É um romance que lhe dará, como disse certa vez o maior antropólogo brasileiro, "uma leitura gozosa, dessas em que a gente esquece até que está lendo, para se abrir inteiro e deixar-se penetrar por ela".

O COLECIONADOR DE LEMBRANÇAS é um romance sobre a importância da memória e das coisas, das coisas simples que contam histórias. Das coisas simples que esquecemos ou passam despercebidas. Tenho certeza de que você, caro leitor, cara leitora, sentirá vontade de conhecer Santa Maria, um povoado imaginário do século passado, e se tornará íntimo(a) de Otaviano de Maria, Jacobina de Messias, Benjamin de Glória, Boca Rica, Januário de Jandira, Aiyra, Ritinha e tantos outros moradores de Santa Maria, o povoado das sete ladeiras.

O COLECIONADOR DE LEMBRANÇAS alcançará - não tenho nenhuma dúvida disso - um reconhecimento da crítica e de público e será comparado a outras grandes obras do realismo mágico no Brasil. É um romance bonito, vigoroso e inesquecível. Nele, eu vivi para contar e contei para não esquecer.

O QUE JÁ DISSERAM SOBRE O LIVRO

“Pawlo Cidade é um cultor contemporâneo do realismo fantástico ou mágico, gênero de que a América Latina de língua espanhola foi pródiga na segunda metade do século XX (autores como Julio Cortázar, Gabriel Garcia Márquez, Isabel Allende alcançaram fama internacional) e que, no Brasil, cujo ambiente literário foi dominado por mais de meio século pelo modernismo, manifestou-se sobretudo na teledramaturgia, em novelas de enorme sucesso como Saramandaia, Roque Santeiro, O Bem Amado. (...) Obras de autores contemporâneos como Eliezer Moreira e Pawlo Cidade mostram que, em pleno século XXI, nosso velho “regionalismo” continua vivo. Podemos afirmar que O colecionador de lembranças já nasce um clássico da literatura ilheense!”.

Ivo Korytowski, escritor e tradutor.

"...Os moradores de Santa Maria me encantaram. Após a leitura dos originais do romance (uma tarde de domingo!), peguei-me várias vezes relembrando os ditos e os chistes dos personagens encantadores e suas fabulosas histórias: Otaviano de Maria, Ritinha, Januário de Jandira, Jacobina de Messias, Boca Rica, Padre Dão,entre outros. Seus “causos” entremeados entre si, constituem uma narrativa recheada de detalhes e sentimentos. Todo o romance é uma exposição de emoções subjacentes às ações dos envolvidos nahistória”.

Cáthia Hugues, professora e poeta.


“O mais novo livro de Pawlo Cidade revela um autor em nítido processo de amadurecimento da arte da escrita. Suas personagens apontam traços universais do humano em ambientes bem definidos e situados historicamente na primeira década do século passado em terras ilheenses. Leitura profunda e agradável, bem ao estilo Cidade e seu realismo mágico”.

André Luiz Rosa Ribeiro, historiador e poeta


O PROJETO DE CAPTAÇÃO E A META A SER ALCANÇADA

Para que O Colecionador de Lembranças seja publicado, eu preciso diretamente de 200 apoiadores amigos, amigas, leitores, leitoras, seguidores, seguidoras. Se cada um investir R$ 50,00, a gente consegue pagar todos os custos de produção, revisão e distribuição do livro.

O investimento mínimo é de R$ 50,00 e dará direito ao investidor a receber o livro em qualquer lugar do país. Você pode contribuir com qualquer outro valor acima do mínimo. E isso será excelente porque diminuirá minha meta direta de 200 apoiadores.

O LIVRO

O livro fechado tem o tamanho 14,0 x 21,0 cm
Capa – 4x0 cores, tamanho aberta: 45,3 x 21,0 cm em papel cart supremo
Alta Alvura 250 g/m impressos
Acabamentos: Lâmina Fosco
Miolo (180 p. aprox..) no tamanho: 14,0x21,0 cm/Papel Off white 80 g/m
Impressos:   1x1 cores.
Acabamentos: Lombada Quadrada, Refilado, Acondicionamento.
Editora: A definir.


CAPA

A capa é inspirada nesta tela criada pelo artista Guilherme Albagli.


Óleo sobre tela, tamanho 0,90 x 0,90, 
de Guilherme Albagli. Coleção particular/Salvador-Bahia


Guilherme Albagli, artista plástico, professor aposentado da Universidade Estadual de Santa Cruz - UESC. Arquiteto e urbanista pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal da Bahia. Experiência em conservação e restauro do patrimônio edificado, arqueologia e ensino de História da Arte.

REVISÃO E NOTAS

Ivo Korytowski, escritor, tradutor consagrado (tendo traduzido 195 livros), lexicógrafo, filósofo pela UFRJ, pesquisador da história do Rio, blogueiro e Youtuber. Nasceu no Rio de Janeiro em 1951 e desde 2019 mora em São Paulo.


RECOMPENSAS

R$ 50,00   – direito a 1 exemplar
R$ 100,00 – direito a 2 exemplares
R$ 150,00 – direito a 3 exemplares + romance O povoado das Onze Mil Virgens
R$ 200,00 – direito a 4 exemplares + 2 romances do autor


quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

RESENHA SOBRE RIO DAS ALMAS

 


REALISMO MÁGICO BRASILEIRO NO SÉCULO XXI: 

RIO DAS ALMAS, DE PAWLO CIDADE

Ivo Korytowski*

 

Por que esse oximoro “realismo mágico” ou “realismo fantástico”? O que é real não é mágico/fantástico, e vice-versa. Por que não simplesmente “fantasia” ou “literatura fantástica”? Porque, ao contrário das obras quintessencialmente fantásticas, o romance não tem por cenário um ambiente irreal: uma Nárnia, uma Terra de Oz, uma Liliput. As histórias do realismo mágico costumam transcorrer em cidades interioranas típicas de algum país latino-americano, cidades que por suas características, pelo perfil de sua população, poderiam perfeitamente existir. Só que, em meio à rotina cotidiana de pessoas aparentemente normais – não são seres mitológicos, chifrudos, alados, com um olho na testa, é gente como a gente – eventos fantásticos começam a acontecer do nada, como se normais fossem. Esta é a lógica do realismo fantástico, que o distingue do puro romance de fantasia ou do puro romance realista (ou naturalista). Ou, segundo a Enciclopédia de Literatura Merriam Webster, “fenômeno literário latino-americano caracterizado pela incorporação de elementos fantásticos ou míticos, como se fossem reais, a uma ficção que normalmente seria realista. O termo foi aplicado à literatura no final da década de 1940 pelo romancista cubano Alejo Carpentier, que reconheceu a tendência dos contadores de histórias tradicionais de sua região, bem como de escritores contemporâneos, de iluminar o mundano por meio do fabuloso.” (verbete magic realism; tradução minha) 

Na segunda metade do século XX, a América Latina de língua espanhola foi pródiga em autores do realismo fantástico ou mágico, alguns com projeção internacional: Julio Cortázar, Gabriel Garcia Márquez, Isabel Allende, etc. Já no Brasil, onde o modernismo dominou o ambiente literário por mais de meio século, o realismo mágico se manifestou mais na teledramaturgia, em novelas de televisão de enorme sucesso como SaramandaiaRoque SanteiroO Bem Amado. Mas eis que, em plena segunda década do “século seguinte”, o pedagogo e dramaturgo natural de Ilhéus, Bahia, Pawlo Cidade surpreende-nos com esta obra de realismo mágico/fantástico Rio das Almas.

Bem escrito, imaginação a pleno vapor, poder descritivo, vocabulário rico. O autor se diz influenciado por (entre outros) Jorge Amado e Gabriel Garcia Márquez. A história começa em 9 de fevereiro de 1968, plenos anos sessenta, quando o realismo mágico latino-americano galgava listas de best-sellers mundo afora.

A trama gira em torno do “funcionário do governo” Pedro Perigot, “um dos maiores hidrólogos do país”, que, a mando do governo, viaja em sua camioneta até Rio das Almas, o povoado que não estava no mapa, palco no passado de um massacre de índios juma – passando no caminho pelo Vale dos Absurdos, onde uma vez por ano o sol brilha em plena meia-noite – a fim de pesquisar o poder medicinal de suas águas. A própria mãe de Pedro havia sido miraculosamente curada de uma doença terminal por uma garrafa do líquido (“A Magnólia Parigot [...] destruída pela doença dava lugar a uma mulher jovem, bonita”), levando o filho a se dedicar ao estudo medicinal da água de Rio das Almas. “Se dizia em Betânia e em todas as cidades circunvizinhas que a água era a principal responsável pela longevidade dos seus habitantes. Apesar dos rios atravessarem toda a região, apenas Rio das Almas não registrava mortes nos últimos dezenove anos. Dizia a lenda que beber na nascente do rio das Almas prolongaria a vida [...]”.

Assim que chega lá, Pedro presencia uma cena de dimensões bíblicas: a ressurreição do velho Deocleciano. Antigo funcionário público que administrava a estação de tratamento de águas, leitor dos grandes filósofos da humanidade, após várias tentativas de suicídio a fim de desafiar Deus, enfim conseguira seu intento à vista de todos, quando tentava provar que não conseguiria. Mas no momento da chegada de Pedro, para o espanto de todos, Deocleciano ergue-se do caixão. Até o Repórter Esso relatou o prodígio: um homem voltara dos mortos num povoado perdido no mapa. A morte abandonara Rio das Almas. A morte foi aniquilada de Rio das Almas.

O autor brinca com a fantasia da abolição da morte com que já brincara antes Orígenes Lessa, em A desintegração da morte, e José Saramago em As intermitências da morte. O inusitado é a regra aqui. Já no capítulo de abertura deparamos com o primo Duas Caras, metade do rosto queimado de sol, metade não; o andarilho Miguel que por mais calor que faça nunca bebe água, e sempre alcança a camioneta, por mais que esta se adiante; Dona Santaninha, cujo marido tenta esticá-la para ficar tão alta quanto ele; a família de olhos violetas, etc.

O autor faz desfilar pelo romance uma galeria de personagens incomuns. O torneiro Jafé que trai a esposa com a própria sogra e que também acaba ressuscitando. Francisco Lino, o Chico Rola, que após duas décadas de impotência vê-se acometido de um priapismo persistente e doloroso. Maria Marta Encarnação, cujo marido prometeu que “Se você não for ao mar, o mar virá até você!”. Andrezinho, o menino com trejeitos de afeminado que, atormentado pelo pai, aparentemente foge de casa. Zé Romão e Cícero Paulada, “os mais hábeis magarefes de Rio das Almas”. Os burros Cosme e Damião, sobreviventes do desmoronamento da mina, cuja morte desencadeia a discussão de se possuíam alma como os humanos...

Na segunda parte a narrativa, compassada de início, adota um ritmo frenético e paroxístico, onde o elemento realista explode em crimes e pecados abomináveis, e o elemento mágico, em prodígios inauditos.

Era uma vez, um povoado chamado Rio das Almas.


* Ivo Korytowski é escritor, tradutor consagrado (tendo traduzido 195 livros), lexicógrafo, filósofo pela UFRJ, pesquisador da história do Rio, blogueiro e Youtuber. Nasceu no Rio de Janeiro em 1951 e desde 2019 mora em São Paulo.

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