GATO POR LEBRE
Pawlo Cidade
Se você
perguntar na Avenida Esperança onde fica a Rua Esperanto Perolato as pessoas
vão erguer os sobrolhos e achar que você deve ter lido o endereço errado.
Outros darão risada e alguns ainda vão repetir “Esperanto o quê?” Mas se você
disser: “Rua do Cano”, todo mundo vai saber onde fica. E o nome que ficou na
boca do povo, porém, algum vereador do passado na esperança de estar “prestando
um (de)serviço à comunidade” apresentou um projeto de Lei que a batizou de Rua
Esperanto Perolato. Nada contra o esperanto, esta língua artificial inventada
por um médico judeu que não preciso citar o nome agora senão vocês vão acabar embrulhando
a língua. Ah não ser que o nome faça jus ao significado real da palavra: “o que
espera.” E é assim que vive o povo da Rua do Cano – digo “Esperanto”,
esperando. Esperando tapar os buracos, asfaltar a rua, melhorar a iluminação
pública, enfim!
Passada a
introdução geográfica, cabe-nos chamar a atenção para um personagem conhecido
do pedaço, que antes mesmo da venda do seu Zé abrir, às seis e meia da manhã,
ele está lá, de prontidão, disposto a tomar o café-de-um-gole-só com a
branquinha de sua preferência. Na desculpa de comprar o pão das crianças,
Bigode já entrava no estabelecimento esticando os dedos e brindando o dia: “Seu
Zé, a de sempre!” E Zé, dobrando a cabeça e curvando os lábios, pegava a
garrafa de 51, no canto da prateleira, e enchia com uma única dose o pedido do freguês.
Fosse esse
apenas o defeito – ou seria vício? - de Bigode. É bem verdade que nunca se tinha
visto ele deitado na calçada ou jogado numa vala, guardado pelo seu fiel
escudeiro “Bronze”, uma mistura de cachorro salsicha e vira-lata, que o
acompanhava nas escapadas noturnas e nas goladas matutinas da branquinha.
Bigode, certa feita, bebendo todas e comendo com farinha, se engraçou com uma
loira top-de-linha, pernuda, quadril arredondado, lábios carnosos. Os colegas,
percebendo a paquera do amigo resolveram colocar lenha na fogueira. E a loira,
com aquele largo sorriso de quem vem-que-eu-sou-tua caiu na lábia de Bigode. Seu
Zé, amigo de infância e dono do bar, até tentou cutucar o outro pedindo que não
se metesse com a mulher dos outros. Bigode, travado, perguntou se o bodegueiro
estava com ciúmes, pois perder aquele avião seria o mesmo que perder um bilhete
premiado da loteria.
A única pulga
que deixou Bigode com a orelha em pé – mas também que se dissipou rapidamente –
foi a de que ninguém mais deu em cima da loira. Só ele. Como podia? Uma loira
linda, pernuda, gostosa, dando sopa e ninguém interessado? Só ele via aquilo?
Não! Que nada! Barbudo, carpinteiro experiente tranquilizou o amigo: “A mulher
é sua, Bigode. Você viu primeiro.” E mal teve tempo de completar a frase,
Bigode estava do lado da loira, fungando no cangote. Zé Pedro, eletricista dos
bons, solteiro, que morava num barraco na subida do Alto da Esperança ofereceu
logo a chave para a quebrada. Bigode não contou conversa. Enfiou a chave no
bolso, piscou para o amigo e saiu arrastando a loira para o matadouro.
Nem bem entrou
no barraco, Bigode apertava a loira como se aperta uma aliança. Era beijo de um
lado, cheiro do outro, lambida na orelha. Um grude! Aquela altura ele gritava a
cada passo do caminho que a amava, que ela – a tal loira - era o amor da sua vida.
Bigode - não se sabe se tonto por causa da branquinha ou encantado com a
mulher, não acertou abrir a porta do barraco. A loira, prevenida, tomou a chave
do outro, meteu na fechadura e abriu. Bigode foi empurrando ela como se aqueles
fossem os momentos finais de sua conquista. A loira agarrou Bigode pelos
braços, com uma força que ele estranhou e disse: “Calma!” Bigode deu um passo
para trás e esperou o desenrolar do acontecimento. Mal sabia ele que a turma,
que o acompanhara no bar, estava de ouvido grudado na porta do barraco,
querendo saber o que estava acontecendo.
A loira, mais
uma vez cuidadosa, sentou Bigode num tamborete, e deixou-o na posição de
espectador. Em seguida, afastou-se, tirou a roupa, lentamente, subiu na cama e
ficou na posição de cachorrinho. Bigode arregalou os olhos, suou frio, engoliu
a saliva, ergueu as sobrancelhas e uma tremedeira tomou-lhe conta das pernas. O
arapapá da loira mais parecia uma manjuba. “E aí?” A voz da loira ficou mais
grave. Bigode olhou para um lado, olhou para o outro, respirou fundo e pensou
consigo mesmo: “Se não tu, vai tu mesmo.” E os companheiros, do lado de fora do
barraco, tentando encontrar uma fresta ou ouvir os gemidos que vieram do quarto
da casa de Zé Pedro, apelidaram Bigode naquele dia de “Gato por lebre.”
Julho de 2015
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