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ATÉ QUE A MORTE NOS UNA
Pawlo Cidade
“Hoje em dia o divórcio é inevitável, não dá para escapar. Ninguém aguenta
conviver com a mesma pessoa por uma eternidade. Eu, na realidade já estou em
meu terceiro casamento – a única diferença é que casei três vezes com a mesma
mulher.” Enunciado assim é difícil crer que os casamentos de hoje durem tanto
tempo. Há quem diga que os casamentos de outrora duravam por dois motivos: medo
de ficar sozinho ou religião. Acrescente-se a isso a infidelidade. Aperitivo
que permitia ao homem – e raramente a mulher – pular a cerca, mas continuar
casado com a mesma parceira. “Em casa, tenho comida, roupa lavada e limpeza, na
rua tenho o que minha mulher não me dá.” Célebre frase de um sem-vergonha
machista que sentia a necessidade de uma escrava do lar, não de uma esposa.
Pois bem, finda a premissa (o mesmo que teoria, o conteúdo, a informação
essencial que vai servir para escrever esta crônica) a partir da opinião de
Arnaldo Jabor sobre a duração dos casamentos contemporâneos, me vem ao
pensamento a lembrança de Seu Eurico e Dona Eulália, que, recentemente
completaram bodas de diamante. “Qual o segredo?” - Pergunto. E ele, na
simplicidade de suas palavras, no gesto terno de sua paciência, balbucia:
“Respeito.”
Como um memorialista apaixonado narra pausadamente o dia em que, sentado
na enseada do Pontal, de frente para a baía, conheceu aquela que seria sua
amante até que a morte os separasse. Eulália era filha de pescador e Eurico, um
jovem engenheiro, contratado para construir a ponte que ligaria a vila de
pescadores ao centro da cidade. Ali, embaixo da jindiba, árvore que é símbolo
das lembranças do personagem Caúla em “Luanda Beira Bahia”, de Adonias Filho, Eurico
e Eulália trocaram o primeiro beijo, numa tarde ensolarada de maio.
“Respeito.” - Repetiu o octogenário construtor de pontes que soube,
tijolo a tijolo, erguer a difícil arte do relacionamento a dois. “E o amor, ele
não é fundamental?” Indago de supetão como que quisesse afirmar que o amor e
respeito não podem viver separados. “O amor é cúmplice! Ele é também
construído, lapidado, melhorado e ampliado um dia após o outro. Se você não
entende isso, se você não enxerga isso, acabou o respeito,” confessa o
engenheiro. E eu me pego pensativo, testemunhando o exemplo e de quanto ainda
precisamos melhorar para ser, pelo menos, um terço do que foi a vida de Eurico
e Eulália.
Na véspera de completar 61 anos de casados, Eurico e Eulália partiram. A
morte não foi capaz de separá-los. O encontro se deu para ambos. Foram
encontrados, em seu leito, abraçados, como costumavam dormir. Quis o destino,
uni-los na juventude e na maturidade; na saúde e na doença; na alegria e na tristeza,
na vida e na morte.
Julho de 2015
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