"Escrevo como as lavadeiras de Alagoas..."
VIA LITTERARUM: Encontros Prosa e Versos com o poeta, escritor, ator e gestor de cultura PAWLO CIDADE
A Editora Via Litterarum – Via entrevista o poeta, escritor, ator e gestor de cultura Pawlo Cidade, abordando algumas questões com vistas à compreensão acerca do ato de escrever e sobre a criação literária propriamente dita.
SOBRE O ATO DE ESCREVER
VIA -Como e em que momento ou circunstância se percebeu como LEITOR e que a leitura faria parte de sua vida?
PAWLO - Quando eu me tornei presidente de um clube de leitura de revistas em quadrinhos.
VIA -Como e em que momento ou circunstância se percebeu como CRIADOR LITERÁRIO ou AUTOR e que escrever faria parte de sua vida?
PAWLO - Quando li “Um estudo em vermelho”, de Conan Doyle, e fiquei maravilhado com a trama e a escrita. Pensei, se é possível fazer isso na literatura, eu quero ser escritor. E a partir daí, não parei mais de escrever. Eu tinha 15 anos.
VIA -Hoje, em termos de ocupação do tempo dedicado ao trabalho, qual o espaço ocupado pela literatura?
PAWLO - Gosto de escrever de 4 a 8 horas por dia, sobretudo, quando estou num projeto novo. Neste momento estou em tratamento de saúde, mas ela, a saúde, não me privou da escrita, nem da leitura. Leio, em média, quando não estou escrevendo, 2 romances por mês. Não consigo viver sem escrever. Afora isso, sou produtor de uma feira literária e presidente da Academia de Letras de Ilhéus.
"A literatura é para os que leem,
a busca incansável de uma representação,
de um ser estar, de uma identificação
que transcende a nossa lógica e os nossos sonhos..."
VIA -Alguns autores escrevem como uma necessidade existencial. Se fosse possível resumir a motivação principal do porquê escreve, qual seria?
PAWLO - Gabo certa vez disse, e eu uso isso como uma missão de vida, “se você consegue viver sem escrever, não escreva”. A literatura é para os que leem, a busca incansável de uma representação, de um ser estar, de uma identificação que transcende a nossa lógica e os nossos sonhos. Mas para os que escrevem, a transposição real daquilo que é vista e lembrada pelas mãos testamenteiras do escritor.
VIA -No período de um dia, qual seria a rotina enquanto escritor?
PAWLO - Gasto, em média, 4 horas escrevendo, às vezes até 8. Fora isso, costumo ler bastante. Quando não estou escrevendo nem lendo, estou pesquisando. E, pesquisa requer muita leitura. Prefiro escrever pela manhã.
VIA -Como fica a relação entre INSPIRAÇÃO e REELABORAÇÃO DO TEXTO ESCRITO na sua criação literária?
PAWLO - A primeira impressão nunca é a que fica. Explico: escrevo como as lavadeiras de Alagoas, analogia feita por Graciliano Ramos, ao comparar sua escrita com o ofício daquelas. “Elas começam com uma primeira lavada, molham a roupa suja na beira da lagoa ou do riacho, torcem o pano, molham-no novamente, voltam a torcer...” Depois do primeiro tratamento, da primeira versão, imprimo, releio, reescrevo. Depois vem o segundo e o terceiro tratamentos. Torço o texto até não pingar uma só gota. Como Graciliano mesmo disse, “a palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para dizer”. E a gente só descobre isso quando lê. Lê muito. É 10% inspiração. 90% é trabalho.
SOBRE A CRIAÇÃO LITERÁRIA
VIA -Seguramente, todo escritor é antes um leitor. Enquanto leitor, qual autor (ou autores) e qual obra (ou obras) considera mais relevante para ser o escritor que é?
PAWLO - Com certeza. Mais gostoso do que ler, é escrever. Mas, se você não lê, dificilmente terá vontade e criatividade para escrever. Meus autores preferidos são Gabriel García Márquez (Cem anos de solidão, Ninguém escreve ao coronel, Crônica de uma morte anunciada, O amor nos tempos do cólera); Juan Rulfo (Pedro Páramo, O galo de ouro); José Saramago (Levantado do chão, O ano da morte de Ricardo Reis, O homem duplicado); Franz Kafka (A metamorfose); Conan Doyle (Um estudo em vermelho); Miguel Ángel Artúrias (O Senhor presidente); José Sarney (O dono do mar); Murilo Rubião, Isabel Allende (A Casa dos espíritos); Jorge Amado, Adonias Filho, Graciliano Ramos (Memórias do Cárcere) e mais recentemente James Joyce (Ulisses), William Faulkner (A fábula) e tantos outros. Destes, Gabriel é o meu preferido.
VIA -Da primeira publicação até hoje, quantas obras possui?
PAWLO - 22 livros. Três contos. 1 livro inédito de poesia.
VIA -Qual obra considera a principal?
PAWLO - Difícil dizer. A gente nunca acha que escreveu “a obra”. Talvez ela ainda esteja por vir. Mas se tivesse que escolher como romancista: “O santo de mármore”, romance histórico; e “O colecionador de lembranças”. Como autor infantojuvenil, “O caminho de volta”.
"Outro dia escrevendo “A última flor juma”
achei que já havia terminado. De repente,
revisitei a escrita e descobri que não tinha fim.
Não que precisasse explicar o fim,
mas faltava um fim, mesmo sem fim. Entende?"
PAWLO - Realismo mágico, fantástico, maravilho. Embora alguns digam que é apenas uma vertente da literatura e não um gênero propriamente dito. Também gosto muito de escrever para jovens. A literatura juvenil me encanta. Acho difícil escrever para crianças.
VIA -Quando escreve ficção, ao iniciar, a narrativa está praticamente pronta ou essa tem vida própria, surpreendendo o próprio autor, só se conhecendo o enredo e o fecho no próprio processo de criação?
PAWLO - A técnica é importante. Uso sempre um mapacena. Mapacena é a planta-base, o desenho do livro em capítulos; os capítulos em cenas; cada cena com a sua story line própria. Mas a história, por mais que a gente deseje um final, a trama vai se intensificando, os personagens ganham independência, e o resultado é sempre diferente da primeira concepção. Outro dia escrevendo “A última flor juma” achei que já havia terminado. De repente, revisitei a escrita e descobri que não tinha fim. Não que precisasse explicar o fim, mas faltava um fim, mesmo sem fim. Entende?
VIA -Como vê a literatura em tempos de Internet, redes digitais, ChatGPT e outros aplicativos de Inteligência Artificial?
PAWLO - Como algo inevitável. Mas ela jamais substituirá quem consegue colocar os sentimentos no papel. E essa capacidade é uma dádiva do ser humano, do escritor. A inteligência artificial vai só na “artificial” mesmo. E os e-books, e tantos outros troços aí, não vão substituir a experiência de ter um livro físico nas mãos.
VIA -Qual o maior problema para a poesia e a ficção, em uma palavra, para a literatura hoje?
PAWLO - Chegar a um maior número de leitores. Distribuição.
VIA -Em qual(ou quais) projeto(s) literário(s) está se dedicando no momento?
PAWLO - Acabei de finalizar dois romances juvenis: “A última flor juma” (ainda sem editora) e “Meu professor é um lobisomem” (que vai sair pela Caravana Editorial de Belo Horizonte). Estou na fase de pesquisa do romance “A invenção de Santa Cruz”, que pretendo lançar em 2024. Estou escrevendo dois projetos para festa literária de Ilhéus – FLI e o Salão do Livro Conquista e um outro projeto de pesquisa sobre o movimento teatral dos anos 80 e 90 no Sul da Bahia.
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