(Trecho do livro, O povoado das onze mil virgens, 2019, publicado pela Editora Teatro Popular de Ilhéus. "O juiz iníquo"foi inspirado numa parábola de Lucas 18:1-18).
quarta-feira, 8 de dezembro de 2021
DEGUSTAÇÃO LITERÁRIA
(Trecho do livro, O povoado das onze mil virgens, 2019, publicado pela Editora Teatro Popular de Ilhéus. "O juiz iníquo"foi inspirado numa parábola de Lucas 18:1-18).
domingo, 7 de novembro de 2021
AS DOCES AMARGAS MEMÓRIAS DE PEDRO E ALICE
Relacionamentos que começam com experiências públicas nunca dão certo. O meu tinha tudo para dar errado. Eu era seu professor, apesar de ela ser uma garota madura para sua idade: “Inteligente, sarcástica e rebelde”. Eu confesso que nunca fui tão feliz. E como sofri tanto!
Fechei o notebook depois de dizer, pela primeira vez, meu nome verdadeiro para aquela tal de “Sininha”. Se é que era “sininha” mesmo. E se fosse um homem se fingindo de mulher? Ri sozinho. Fiquei até com vontade de convidar a misteriosa “Sininha” para conhecer a maravilhosa Terra do Nunca: meu quarto e sala da Avenida Central. Ser solteiro tem suas vantagens e morar sozinho é um viva a liberdade! Prato sujo na pia, cueca no banheiro, toalha molhada no cesto de roupa enxuta, guarda-roupa pelo avesso, lixeira cheia até a tampa, chão melado da última vitamina que eu fiz, dezenas de exames dos alunos do segundo e terceiro ano espalhados pela mesa, pelo sofá e pela cama e ainda ouvir “Como eu quero” do Kid Abelha mais de vinte vezes sem ter ninguém para gritar com você: “Desliga esta merda! ” Já eram quase duas horas da manhã quando dormi, ali mesmo, na sala, embalado pela voz de Paula Toller.
Acordei atrasado e sai debaixo de chuva. Consegui pegar o primeiro horário da turma A, depois peguei mais duas na turma C e por fim resolvi elaborar um teste para aplicar na turma B. Fiquei na secretaria até meio-dia. Quando fui saindo, dei de cara no portão principal com ela. A chuva continuava caindo forte. Um pé-d´água tremendo. Sorte que a cobertura do portão protegia da chuva.
- Oi! – Ela sorriu. Parecia mais amável. Bem diferente da primeira vez que a gente se digladiou na sala.
- Olá, Administradora de Empresas! E então? Já sabe fechar um balancete com uma tabela periódica? – Arrisquei uma piada. Era melhor ter sorrido de volta com um “Oi” também.
- Eu precisaria ser em primeiro lugar burra e em segundo professor de química!
Ri meio sem jeito. Mas não me intimidei:
- O que não seria um mau negócio.
Ela foi ainda mais sarcástica:
- Claro! Ganhar pouco, dormir tarde, passar fim de semana corrigindo provas!
- O salário pode não ser bom, mas eu gosto do que eu faço. – Estava sério.
- Hum, um idealista!
- Pelo menos eu tenho uma causa pela qual lutar.
- Eu também. Mas quando a gente chega à velhice, as causas são outras. – Ela me chamou de velho com classe! E eu só tinha 33!
- A falta de argumento é típica da pré-adolescência. – Sentenciei.
- Então! – Exclamou. E a gente ficou ali, no portão da escola, olhando um para a cara do outro, como se fossem dois lutadores de MMA só esperando a hora do juiz dar o sinal e a gente partir para a briga. Foi até engraçado. Ela foi a primeira a quebrar o silêncio.
- O “velhinho” e a “criancinha” presos por causa da chuva. Vai dar o que falar.
- De jeito nenhum! A última coisa que eu gostaria de ter era uma amizade com uma aluna atrevida, metida e chata. – Fiz uma careta irônica.
- Vou chamar isso de elogio. – Respondeu com outra careta.
- Eu não teria tanta certeza. – Franzi a testa.
- Você não sabe o que está perdendo. – Ela esticou o dedo e tocou no lado direito do meu peito.
Dei de ombros. Aquela direta era uma indireta ou direta? Ou eu entendi tudo errado? Vai saber! Resolvi participar do jogo.
- Eu sei o que NÃO estou ganhando!
- Tem razão. – Concordou. A chuva diminuiu de intensidade.
- É mesmo?
- Tudo bem. Eu vou indo. – Disse. Em seguida acrescentou:
- Está ficando tarde. Já são 12:1, vou aproveitar a estiagem. Salomão fica furioso quando chego depois do almoço.
- Seu pai?
- Sim.
- Para que lado você está indo?
- Zona Norte. Por quê?
- Quer uma carona?
- Eu pensei que você não queria fazer amizade.
- Mudei de ideia. – Fiz sinal para que ela me acompanhasse. A minha gentileza abriu um precedente. Talvez fosse melhor não ter oferecido a carona.
(CIDADE, Pawlo. AS DOCES AMARGAS MEMÓRIAS DE PEDRO E ALICE, Editora Mondrongo, Itabuna-Bahia, pp. 20-23).
terça-feira, 2 de novembro de 2021
domingo, 31 de outubro de 2021
O SANTO DE MÁRMORE
O Santo de Mármore é um livro publicado em 2013, cujo original nasceu em 1989. Foram mais de quinze anos tentando amadurecer uma história real que eu testemunhei. Narrar a história do nascimento do movimento estudantil organizado em Ilhéus, na Bahia, foi para mim uma experiência incrível. O título do livro foi inspirado na poesia homônima do professor de história José Carlos Galdino, publicado em agosto de 1987, no jornal Diário da Tarde.
sábado, 11 de setembro de 2021
UMA FÁBULA SOBRE AS ELEIÇÕES
sábado, 21 de agosto de 2021
DEPOIMENTO DE UM LEITOR SOBRE O TESOURO PERDIDO DAS TERRAS DO SEM-FIM
O TESOURO DE PAWLO CIDADE
terça-feira, 27 de julho de 2021
terça-feira, 20 de julho de 2021
VEJA COMO GANHAR UM EXEMPLAR DE "O TESOURO PERDIDO DAS TERRAS DO SEM-FIM"
Dia 24 de julho, das 18h às 19h, estarei lançando a 2a. edição, revista e ampliada, de "O TESOURO PERDIDO DAS TERRAS DO SEM-FIM". Durante a sessão de lançamento na minha conta pessoal do Instagram (@pawlocidade) eu vou sortear 10 (dez) livros. Para ganhar um é super fácil:
Os dez primeiros que conseguirem marcar 20 (vinte) pessoas diferentes, ganha na hora o exemplar. Não importa de qual lugar do Brasil você seja. Marcou 20 (vinte) diferentes nomes e está entre os 10 (dez) primeiros, ganhou!
Mas a promoção só vale a partir do momento em que eu disser: "A partir de agora você já pode marcar 20 (vinte) pessoas diferentes", ok?
Pronto! Regra simples! Fique atent@ e participe.
terça-feira, 13 de julho de 2021
ESCRITOR PAWLO CIDADE LANÇA LIVRO INFANTOJUVENIL O TESOURO PERDIDO DAS TERRAS DO SEM-FIM
Quem não gostaria de viver a aventura de caçar um tesouro perdido, ainda mais ao lado de seus melhores amigos? Pois é justamente o que Charlie, Tati e Gambá decidem fazer depois de descobrirem um mapa com a localização de um lendário tesouro escondido há mais de cem anos na zona rural de Ilhéus.
Seguindo pistas e desvendando enigmas, os três partem em uma jornada incrível através da Mata Atlântica, fazendas de cacau, manguezais e rios. Uma aventura que exigirá deles coragem, inteligência e um tanto de sorte. Juntos, mergulharão na rica história de Ilhéus, nos mistérios e lendas da Lagoa Encantada e nos cuidados com a natureza. Este é o enredo do livro infanto-juvenil, “O tesouro perdido das terras do sem-fim”, 2ª. edição revista e ampliada do escritor Pawlo Cidade. A primeira edição foi publicada em 2005.
Pawlo Cidade, autor de 18 livros, pedagogo, gestor cultural e consultor de políticas públicas para a Cultura consegue, com uma linguagem simples, contar a história de modo alegre e inusitado, permeando vários temas como geografia, botânica, costumes, culturas.
Para Agenor Gasparetto, editor da Via Litterarum, a reedição de O tesouro perdido das terras do sem-fim “é para quem gosta de uma boa leitura e acredita ser possível salvaguardar e dar vida à natureza”.
O tesouro perdido das terras do sem-fim remonta à narrativa sobre o desenvolvimento da Capitania de São Jorge dos Ilhéus, a colônia dos alemães, a existência dos índios botocudos, as primeiras igrejas e os tempos áureos do cacau.
Marcel Santos que cuidou do projeto gráfico e é também co-editor, através da Editora A5, ressalta que a obra prende o leitor do início ao fim: “Ou eu cuidava da estrutura gráfica do romance ou me envolvia na história. No fim, consegui dar conta das duas coisas.”
A obra é resultado do prêmio Edital Arte Livre, promovido pela Secretaria Municipal de Cultura e Turismo de Ilhéus, pela Secretaria Especial da Cultura do Ministério do Turismo, com recursos da Lei Aldir Blanc e ilustrações exclusivas do premiado Jô Oliveira.
SERVIÇO:
O que? LIVRO O TESOURO PERDIDO DAS TERRAS DO SEM-FIM;
Quando? DIA 24 DE JULHO DE 2021
Horário? 18 horas
Onde? INSTAGRAM DO AUTOR: @PAWLOCIDADE
Quanto: R$ 40,00.
O livro estará a venda no site das editoras A5 e Via Litterarum e no blog da Comunidade Tia Marita. Mas podem ser adquiridos diretamente com o autor.
segunda-feira, 12 de julho de 2021
terça-feira, 22 de junho de 2021
OPINIÃO
domingo, 20 de junho de 2021
quarta-feira, 16 de junho de 2021
domingo, 6 de junho de 2021
CONTO
“Eu não acredito em coincidência, eu acredito em destino.
É mesmo? Eu também.
Que coincidência!”
Roberto Laranjeira
"138"
Pawlo Cidade
Carlos Santiago acordou com uma baita dor de cabeça. Escovou os dentes, tomou banho e se perfumou com uma colônia Fiorucci, da Red Lions, que sua noiva lhe presentou em seu último aniversário, no dia 13/8, antes mesmo de tomar um gole puro de café sem açúcar. A colônia fazia parte de um kit masculino que veio acompanhado de um desodorante spray, de 138 ml, que ele quase não usava, pois preferia desodorantes sem perfume. Uma semana depois, navegando pelo mercado livre, descobriu que o mesmo kit estava sendo vendido com 138% de desconto. Uma pechincha que ele achou que pudesse ser um embuste.
No quarto, sobre o criado-mudo, ao lado da cama, repousava a Bíblia aberta em Coríntios 1, capítulo 13, versículo 8, que estava escrito em destaque amarelo: “o amor nunca perece; mas as profecias desaparecerão, as línguas cessarão, o conhecimento passará”. Mas ele não recordava de ter deixado o livro sagrado marcada naquela passagem. Acreditou que aquela era a palavra para ser lida naquela manhã e saiu para o trabalho.
No caminho, a visão começou a ficar borrada e um estranho zumbido surgiu no ouvido. Como havia um posto de saúde no bairro, resolveu passar para medir a pressão arterial. Ao aferir a pressão, a enfermeira notou que o esfigmomanômetro mecânico marcava 13 X 8.
- Sua pressão está quase alta. Você é hipertenso? - perguntou a profissional de saúde.
- Que eu saiba, não – respondeu, dizendo também que acordou com uma dor de cabeça forte e no trajeto até o posto de saúde, percebeu que a visão estava enodoada e tinha um estranho zumbido no ouvido como se fossem grilos cantando.
- Hummm, sintomas de hipertensão – sentenciou a enfermeira franzino a testa, por cima dos óculos de grau. - O médico vai lhe medicar. Mas é melhor ver isso depois.
Ele assentiu com a cabeça. Depois, foi atendido com uma rapidez incomum, por um médico recém-formado que lhe aconselhou repouso e que evitasse, entre outras coisas, alimentos ricos em farinha branca, a exemplo de biscoitos, macarrão e pão francês. “Logo, pão francês!”, protestou. Mas como já estava se sentindo melhor, e já estava quase na hora de bater o ponto no trabalho, correu até a parada de ônibus e conseguiu pegar o veículo da linha 138, que só ia até dois quarteirões antes do que estava habituado a descer. Mas foi o que apareceu disponível naquele momento e não havia mais tempo a perder.
Chegou na empresa com 13 minutos e 8 segundos de atraso, transpirando que nem maratonista. O segurança da portaria fez um sinal, meneando a cabeça com jeito de dono da empresa, desaprovando o atraso. Carlos Santiago riu sem mostrar os dentes ao mesmo tempo em que arqueava as sobrancelhas respondendo sem falar: “Foi o ônibus”.
Quando se sentou na cadeira de seu escritório, depois de passar por uns 13 conjuntos de baias e 8 lixeiras que estavam enfileiradas no corredor, arte de Caldas, zelador que costumava juntá-las para depois redistribuir entre as baias, escolhendo a seu bel prazer quem ficaria sem lixeira naquele dia, ligou o computador e o navegador trouxe logo a manchete “Burkina Faso: ataques mais sangrentos desde 2015 deixam ao menos 138 mortos.” Deu de ombros e comentou: “Sei lá onde fica Burkina Faso. Parece até nome de remédio”, riu. Um colega da baia ao lado que ouviu seu comentário e, provavelmente, havia lido também a notícia que foi manchete em todos os jornais, respondeu alto:
- Fica na chamada zona das três fronteiras, entre Mali e Níger, na África Ocidental. Sua capital é Uagadugu.
- Valeu, professor! – exclamou. De fato, Eduardo Limeira, seu colega de trabalho, havia, por um tempo, lecionado geografia no tradicional Colégio Estadual Paes de Carvalho, porém, por razões pessoais, abandonou a docência e resolveu se dedicar à contabilidade. “É mais fácil de organizar e acompanhar todas as mudanças”, confessou certa vez ao comparar o ato contábil com o processo educacional.
No Colégio Estadual Paes de Carvalho, meninos e meninas usavam meias e camisas brancas. As meninas vestiam ainda saia plissada e os meninos calça, tal qual a calça azul marinho de tergal que Carlos Santiago usava quando estudou da primeira a quarta série, sempre ocupando o número 13, no caderno de chamadas, e a 8ª. posição na fila, à direita da professora.
- Viu a goleada de ontem, Santiago? 13 a 8. Seu Paysandu está morto! – gritou o outro companheiro por cima da baia – era Pedro Bola, torcedor fanático do Remo, que ainda conservava um Corcel 76, com placa do Mercosul, com final 1H38. Além da paixão pelo time de coração, gostava de fofoca. Foi ele quem espalhou para a turma que Carlos Santiago andava frequentando a casa do chefe, às sextas-feiras, quando o gerente saía para um carteado da Rua 13, sempre às 8 da noite. O buchicho deu uma confusão dos diabos e quase rendeu a demissão de Carlos. O zelador comentou que se tivessem inventado uma mentira daquelas com seu nome que ele se valeria logo do artigo 138 do Código Penal, pois já fora vítima de calúnia e difamação e seu vizinho teve que indenizá-lo. Carlos Santiago deixou por menos. Embora soubesse que fora Pedro Bola o difamador, não havia como provar.
Sentiu fome. Ao olhar o relógio digital na parede, bem em frente a sua sala, no corredor, viu que já passara em muito o horário do almoço. O aparelho registrava exatamente 13 horas e 8 minutos. Estava tão concentrado no relatório que teria que entregar até o final da tarde que nem notou quando os outros companheiros saíram para almoçar. Ficou empacado na página 138 do documento por causa de uma dúvida sobre o lançamento de uma nota fiscal sem razão social, semelhante a outra nota do mesmo valor, R$ 138,00, emitida no mesmo dia e horário. A princípio, pensou logo se tratar de uma duplicação, mas depois foi informado pelo estagiário que as duas notas foram emitidas no mesmo valor, dia e horário pelo departamento de compras. Coincidência? Não. Estava aí uma coisa que Carlos Santiago não acreditava: coincidência.
- Seu Santiago, o senhor soube que o Fernando Reis, do RH, ganhou uma bolada no jogo do bicho? – comentou o estagiário antes de esclarecer a ele sobre as notas duplicadas.
- E foi?! – indagou o contador em tom de exclamação.
- O sortudo levou 138 mil! – disse o estagiário sonhando com o prêmio.
Neste momento, uma luzinha se acendeu na cabeça de Carlos. Pegou rapidamente um lápis, um bloco de papel, e foi escrevendo o que ele chamou de “simultaneidades” que havia vivido até aquele horário, 13h8. “Não pode ser!”, pensou. “É muita simultaneidade”. E continuou anotando as situações em que o número 138 havia se manifestado desde que saíra de casa naquela manhã.
- Você acredita em coincidência? – perguntou uma hora depois a atendente do restaurante depois de pagar o almoço, R$ 13,08 (treze reais e oito centavos). A moça riu, pensando que ele estivesse lhe dando uma cantada. – É sério, prosseguiu, acredita ou não em coincidência?
- Acredito – disse ela, com as bochechas avermelhadas e os olhos semicerrados.
- Pois é – e começou a descrever as “simultaneidades” do dia. Hoje eu li uma passagem bíblica que estava no capítulo 13, versículo 8; usei um desodorante que nem gosto muito que tem 138 ml; passei mal esta manhã e a minha pressão deu 13 X 8; peguei o ônibus da linha 138; cheguei com 13 minutos e 8 segundos de atraso na empresa; hoje teve um massacre na África com 138 mortos; meu time tomou de 13 a 8; duas notas fiscais no meu balanço deram exatamente R$ 138,00; acabei de pagar a você R$ 13,08 e ainda nasci no dia 13/8! – gargalhou.
A atendente, de boca aberta, olhos grandes e esbugalhados, enquanto uma fila de 138 pessoas já se formava atrás dele, disse receosa esperando a cantada ou a bronca do cliente:
- Digitei sem querer o valor de R$ 138,00 do seu almoço e o senhor nem percebeu!
Ele sorriu outra vez, como fez com o segurança da empresa, sem mostrar os dentes. O celular tocou. Era sua noiva. Saiu do caixa fazendo sinal com o dedo sob reclamação dos demais clientes pela demora. Mas, felizmente, a atendente estornou o valor e só lhe foi cobrado o valor devido.
- Amor, você não vai acreditar o que aconteceu! – foi dizendo antes mesmo que Carla Nívea pudesse falar. A noiva não deu ouvidos ao que ele tentara contar e foi logo gritando excitada:
- Você acredita que hoje, eu e minhas amigas, pedalamos 138km? Chegamos numa fazenda, do quilômetro 13, onde morreram 8 vacas com a queda de um raio, você soube? Vou enviar a foto para você. Se tivéssemos passado no mesmo horário, nós é que teríamos morrido. Que horror!... Depois, passamos por uma cachoeira linda, amor, com 13 patos adultos e 8 patinhos. Não é coincidência? E você vive me dizendo que não acredita em coincidência! E agora, acredita? A gente chegou na fazenda depois de passar por 13 ramais e 8 pés de eucalipto, você acredita nisso? Meu Deus, estou tão surpresa que só depois a gente se deu conta que éramos 13 ciclistas, com 8 de nós completando 13 anos e 8 meses de ciclismo. Não é fantástico?
Carlos Santiago apenas gaguejou do outro lado da linha. Pensou até em contar também todas as “coincidências” do dia, mas não quis interromper a comoção e a alegria da noiva. Deixou-a acreditando que os acasos daquele dia haviam acontecido unicamente com ela.
- Amor, preciso desligar. As meninas estão dizendo que só temos 13 minutos e 8 segundos de pedalada. Não é uma loucura, tudo isso? Beijo! – e desligou.
Carlos Santiago sacudiu a cabeça ainda sem acreditar. A tarde no escritório, passou depressa. Até às 17 horas, quando costumava bater o ponto e correr para o ponto de ônibus, nenhuma coincidência com medidas, pesos ou outras coisas mais lhe ocorreu. Exceto, os três números finais do telefone de sua noiva: 138, que ele nem sequer recordava que ela havia trocado.
Chegou em casa com o dia desaparecendo. Morava a tanto tempo naquele prédio que podia subir até o seu apartamento de olhos vendados. Na portaria, um técnico da prefeitura conversava com Seu Josué, o porteiro, que interrompeu a conversa para cumprimentá-lo e dizer:
- Seu Santiago, a prefeitura está mudando toda a numeração da rua, para atender ao novo código de endereçamento postal. O número do nosso prédio agora é...
Antes mesmo que Seu Josué pudesse concluir, interrompeu o porteiro com um ar de quem não estava acreditando muito no que ele mesmo iria dizer, mas disse:
- 138!
- Como o senhor sabia? – indagou o porteiro, deslumbrado, como uma criança maravilhada frente a magia dos adivinhos.
Carlos Santiago, indiferente, mas ainda com ar de incrédulo e jeito de quem falou por falar, respondeu, sorrindo, sem mostrar os dentes:
- Coincidência.
Publicado também na revista eletrônica Trema. Leia aqui, em 06/06/2021.
DEGUSTAÇÃO DE MAIS UM CAPÍTULO DE "O TESOURO PERDIDO DAS TERRAS DO SEM-FIM", A SER LANÇADO BREVEMENTE
Quando chegaram ao alto da ladeira, presenciaram um grande deslizamento de terra. Toda sorte de sapucaias, cajueiros e araticuns daquele lado do sítio haviam descido ladeira abaixo. Era terra que não acabava mais. A lama cobriu boa parte das novas plantações do cacau e foi parar na lagoa. Os meninos ficaram espantados com o escorregamento.
– Bem que painho falou que este lado era perigoso – disse Tati ao se deparar com o destroncamento da terra.
– O cacau não conseguiu impedir o deslocamento da terra. Essa terra é muito fofa. Deve ter acumulado muita água – Charlie falava como um geólogo experiente querendo imitar o pai que, além de ter se formado em geografia, havia se especializado em educação ambiental.
– Olha lá, gente! É o mico-leão! – sobressaltou-se Gambá.
O mico-leão-da-cara-dourada estava preso a um dos galhos do araticum que desceu junto com o barranco, com as pernas e a cauda cobertas pela lama vermelha e um olhar triste, guinchando de dor. Charlie não pensou duas vezes, quis logo salvar o sagui.
– Temos que tirar ele de lá. A terra pode correr outra vez. Ele vai ser soterrado – precipitou-se para descer. Tati o segurou pelo braço.
– Está maluco, mano? Não vamos conseguir pegá-lo. É muito perigoso.
– Se a gente trabalhar em equipe, não! – e saiu procurando o cipó de uma das plantas trepadeiras que estavam enroscadas entre as árvores que caíram. A ideia era prender o cipó à sua cintura e descer o barranco. Quando encontrou, voltou dizendo: – Eu vou descer e vocês vão me segurar, igual aquele filme que a gente assistiu.
“Que loucura! Menino inventa é coisa. Filme não é realidade, filme é ficção!”, alertara uma vez seu pai.
– Larga de bancar o herói, Charlie! – ralhava Tati.
– Você vai ajudar ou não? É a única chance de trazer o mico de volta.
– Droga! Por que eu fui ter um irmão tão teimoso? – e segurou o cipó de imbé com a ajuda de Gambá. Era o cipó de imbé que Vó Ninha gostava de usar para fazer cestas e passar o tempo quando visitava o sítio.
A chuva ficou ainda mais densa. O mico-leão chilreava cada vez mais forte. Tati começou a chorar. Estava tremendo de medo. Os relâmpagos haviam cessado, mas tudo levava a crer que eles logo voltariam. A água que escorria pela ladeira poderia provocar mais deslizamentos.
– Solta mais o cipó! – ordenava Charlie, se segurando como podia, entre troncos, pedras e o barro, enquanto descia.
– Estou começando a ficar nervoso. Aliás, eu já estou nervoso. Meu intestino está revirando, eu vou soltar um... – Gambá levou uma das mãos ao abdômen.
– Não! – berrou Tati, paralisando imediatamente Gambá. – Se soltar mais um dos seus terríveis puns, eu juro que painho vai ficar sabendo de tudo! E você, Gambá, vai pagar o pato!
– Que pato? Eu não peguei pato nenhum – largou o cipó. Charlie escorregou ladeira abaixo. Tati foi junto. Gambá, ao perceber o que havia feito, se esticou todo e conseguiu agarrá-la pelo pé esquerdo, bem na tira da sandália de couro, ainda se defendendo do tal pato. – Juro que não peguei o pato Pintado! Eu juro! Isso foi coisa daquela raposa velha. Não vou pagar pato nenhum!
– Não foi isso que eu quis dizer, seu bobão! Agora, tenta me puxar pra cima – dizia ela, quase gritando.
O pato Pintado era o chamego de dona Marita. Gostava de acordar os pais de Charlie às cinco da manhã para comer. Costumava ficar de vigia na cancela principal do sítio. Fazia o maior barulho quando um estranho se aproximava. Um dia, desapareceu misteriosamente. Gambá pensou que Tati estava culpando-o pelo desaparecimento do pato. Mas depois que Seu Guiga encontrou um monte de penas embaixo do galinheiro, deduziu que uma raposa velha que rodeava o sítio havia sido a responsável pelo sumiço de Pintado. Tati só estava querendo dizer que o grande culpado de toda aquela confusão era ele. Daí a expressão, “pagar o pato”.
– Parem com essa discussão! Vejam, eu peguei o macaco! Eu peguei o macaco! – exclamou, eufórico.
– Charlie pegou o mico-leão! – disse Gambá, largando Tati. Os irmãos desceram mais depressa em direção à lagoa. Gambá se desesperou. Os raios voltaram. Antes mesmo de o trovão vir em seguida, Gambá soltou outro pum insuportável: “Brummmmm!”
Charlie e Tati se agarraram aos galhos em meio aos destroços. Seus pés estavam a meio metro da lagoa. Naquela parte do espelho d’água, era comum o aparecimento de sucuris, as maiores serpentes da floresta. Vô João dizia que elas se amotinavam no capim alto que cobria aquela área, onde costumavam dormir e caçar. Ele mesmo havia visto uma daquelas enormes cobras engolindo um boi inteirinho na beira d’água, um não, três bois. Agora imagine uma cobra com três bois na barriga. Que tamanho não era essa cobra, hein? Foi num dia chuvoso como aquele.
– Joga o cipó, Gambá! – vociferava Charlie, tentando puxar Tati para a parte mais alta da árvore caída. Ele passou o mico-leão para ela. Em meio aos trovões, ouviram os berros de dona Marita e Seu Guiga procurando por eles. Tati começou a chamar pelo pai.
– Estamos aqui, painho! Estamos aqui nos pés de cacau! – dizia ela.
Gambá puxou o cipó e arremessou na direção de Charlie. Mais troncos e terra começaram a descer, arrastando tudo que foi encontrando pelo caminho. Raios e trovões se intensificaram. Charlie amarrou o cipó na cintura de Tati e gritou para que Gambá a puxasse. Seu Guiga e dona Marita chegaram a tempo de ajudar Gambá a trazer Tati para cima. A copa de uma goiabeira cobriu Charlie, arrastando-o para a água. O pedido de socorro do menino se misturou ao barulho dos trovões.
Seu Guiga, desesperado, acreditando que o filho se afogaria nas molhas da lagoa, desceu escorregando na direção do menino. Infelizmente não chegou a tempo de impedir que Charlie desaparecesse nas águas escuras da Lagoa Encantada.
*Trecho do romance infantojuvenil, "O tesouro perdido das terras do sem-fim", a ser lançado brevemente. Com apoio financeiro da Secretaria Municipal de Cultura e Turismo de Ilhéus, Secretaria Especial da Cultura, Ministério do Turismo, Governo Federal, através do edital Arte Livre da Lei Aldir Blanc.
** Saiba quem é o artista/ilustrador Jô Oliveira clicando aqui.
sábado, 5 de junho de 2021
quinta-feira, 3 de junho de 2021
quarta-feira, 2 de junho de 2021
sexta-feira, 28 de maio de 2021
MEMÓRIA
PRÉ-VENDA DE "A ÚLTIMA FLOR JUMA" EM FORMATO FÍSICO
O leitor pediu e aqui está! A versão impressa de A ÚLTIMA FLOR JUMA. A última flor juma narra a saga de um pai e três filhas vivendo a bele...
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Formato Kindle ou Tablet “A última flor juma” narra a saga de um pai e três filhas vivendo a beleza e as agruras da vida na Amazônia. Em ...
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Domingo, 23 de junho, termina a promoção de pré-venda do meu novo livro: A Invenção de Santa Cruz . Coincidência ou não, no domingo também f...
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Prédio da Biblioteca Pública Adonias Filho, Praça Castro Alves, Ilhéus/BA. Abandonado pelo governo atual. Até quando permaneceremos omis...