- VOVÔ, VOVÔ... ACORDE! Vai pra cama, já
está ficando tarde. Está chovendo, o senhor não está vendo?... – Johan puxava a
mão esquerda do velho. Arron permanecia calado, insensível, na cadeira de
balanço que às vezes costumava por na varanda, sempre que a noite chegava, para
ouvir o canto da natureza. “A melodia que vem da mata, me acalma” – Comentava.
A chuva forte foi diminuindo de intensidade. O vento e os trovões pararam. Johan
não tinha medo deles e, apesar do pai sempre brincar dizendo que aqueles
fenômenos da natureza indicavam que Deus estava dando uma geral no céu,
preferia ficar na cama, embaixo do seu cobertor amarelo, com desenhos de aviões
e carros de corrida.
Entretanto, aquela noite
tinha sido diferente. Saiu do quarto e foi ver porque o avô ainda não havia
entrado. Arron tinha medo de trovões. Os trovões eram estrondos muitos
similares às bombas que caiam sobre Amsterdam,
no dia em que os alemães invadiram e dominaram o país. Arron e seu pilotão jamais
esqueceu daquele fatídico dez de maio de mil, novecentos e quarenta. Eles resistiram
heroicamente por cinco dias ao ataque, mas acabaram sendo forçados a depor as
armas pelos tanques do exército inimigo. Ele, e mais três companheiros, entre
eles, Mulisch, ficaram escondidos num buraco de esgoto por uma semana, enquanto
as bombas continuavam caindo sobre a cidade. Seu olfato nunca conseguiu se
acostumar ao fedor que penetrava em suas narinas durante o tempo que permaneceu
como um animal acuado, em meio a dejetos humanos e ratos. Esse era também um
dos motivos que “banhava-se” em perfume todos os dias, independente da visita
da enfermeira Ida, como costumava brincar Johan e Sita.
“Vovô?” O pequeno Johan
engoliu em seco quando percebeu que ele não respondia. Pensou em pegar um
graveto e colocar na boca do avô, como fazia todas as vezes que o velho dormia
de boca aberta. Mas os olhos e a boca estavam hermeticamente fechados. Ele
encostou lentamente o ouvido direito no peito do avô. O coração não batia mais.
O pequeno Johan chorou.
Depois, subiu no colo do avô, beijou-lhe o rosto, abraçou-o carinhosamente, e antes
de adormecer disse: “Adeus, vovô. Vou sentir sua falta também. Dá um beijo na
vovó por mim”.
Trecho de um livro inédito: "O Diário do Beija-Flor", de Pawlo Cidade.
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