“O
melhor é não juntar pensamentos divergentes,
mas,
criar unanimidades burras”.
Pawlo Cidade¹
Convergente, divergente e
vertical
Outro
dia ouvi de um amigo que era melhor falar por metáforas porque evita dentes
quebrados e dor de cabeça na inteireza. Isto porque as pessoas não estão
preparadas para ouvir críticas ou sugestões sobre o que vem fazendo na vida
profissional. O fato é que, sem
tergiversar, vou direto ao ponto: os governos municipais não se dão conta que
colocam na pasta da cultura pessoas com visão estrábica. E, tal qual o
estrabismo – sem nenhuma menção pejorativa nem preconceituosa para quem possui
este problema muitas vezes hereditário – podemos afirmar que a visão gerencial
no campo cultural, de quem está nesta condição, é classificada de três
maneiras:
1.
Convergente – quando o gestor não consegue
enxergar que o Conselho de Cultura pode ser um aliado poderoso na sua gestão.
Deste modo, todas as suas atitudes são atitudes voltadas para dentro de si
mesmo;
2.
Divergente – quando o gestor radicaliza suas
decisões e se fecha no seu protagonismo cultural onde só ele é capaz de
promover uma determinada ação e
3.
Vertical - quando o gestor planeja sem ouvir as
pessoas mais interessadas no Plano de Ação do órgão máximo da cultura: os
artistas.
Política
de Balcão e Pires na Mão
Quase sempre este tipo de
comportamento ocorre quando o gestor traz enraizado em sua experiência duas
práticas: a primeira é a “política de balcão”, do favorecimento, do
clientelismo, do paternalismo, dos critérios obscuros e das motivações
semelhantes como bem diagnostica TURINO (2009): “Um hábito que tanto
infelicitou, e infelicita, nossa prática cultural”. Xô! “Quebrem o balcão!” –
Diziam os cineastas do Estado de Alagoas para o governo alagoano que até 2013
era o único estado nordestino que não possuía uma política cultural de fomento.
A segunda é a prática do “pires
na mão”, cuja origem se diz que surgiu com os prefeitos que cobram dia-após-dia
de seus parlamentares emendas para resolver as cobranças da população. O ato em
si de cobrar não conceitua a expressão “pires na mão,” porém, o vai-e-vem à
Brasília, a exigência de documentação para liberar a emenda, a modelagem
obrigatória de projetos, estar em dia com o Cadastro Único para Exigências de
Transferências Voluntárias – CAUC - transforma o prefeito num pedinte de
primeira grandeza. Assista ao vídeo “O calvário dos prefeitos para conseguir
recursos – A história do pires na mão”, no YouTube, e verifique.
São estas práticas do gestor
cultural que reduz a Cultura à cereja do bolo. Ou seja, a Cultura passa a ser
vista aqui como a prima pobre, a pasta coitada, a que sempre é relegada a
segundo, terceiro ou décimo plano. O
gestor traz consigo a marca da esfera pedinte, amadora, chata, que é lembrada
apenas quando o governo inaugura alguma coisa.
A situação complica quando estas
três formas são simultâneas e o gestor, perdido, nunca tem certeza de nada e
está sempre ajustando sua prática à prática do outro. Torna-se um camaleão sem
cor, não sabe fundir ideias e propostas, desconhece o conceito de convergência
e acredita que o melhor é não juntar pensamentos divergentes, mas, criar
unanimidades burras.
Para
que haja protagonismo cultural
Para que a Cultura assuma de vez
seu protagonismo no campo das políticas públicas e na gestão municipal e deixe
de “ser vista como acessória no conjunto das políticas governamentais”
(BOTELHO, 2001) é preciso considerar alguns aspectos:
a) O cargo deve ser técnico. Além
de técnico o gestor precisa ser político;
b) Deve possuir qualificação e
experiência - condições indispensáveis;
c) Sem bajulação ou lisonjeio gozar
do apoio do prefeito;
d) Precisa convencer os
companheiros de governo que a Cultura é transversal. Para isso terá que saber
articular as demais esferas do governo como um programa conjunto;
e) Seu plano de ações deve prever
atividades que estimulem o pertencimento junto à comunidade. Porém, isso só
será possível se ele estiver em constante diálogo com ela;
f) Tem que definir logo no início
do seu mandato qual o conceito de Cultura que irá trabalhar;
g) Mapear toda a comunidade
cultural. Na sua sala tem um mapa onde ele pode traçar sua ação, metas e
objetivos já alcançados, identificando grupos, instituições, coletivos no
Município;
h) Quando pensar em programas e
projetos que democratizem o acesso aos bens culturais precisa primeiro pensar
na democracia cultural. Não adianta levar orquestra sinfônica para a comunidade
se a comunidade nem sequer foi ouvida se queria ver uma orquestra sinfônica;
i) Esquecer de vez a função de
produtora. Um órgão de cultura não pode produzir eventos de todos os gostos e
todos os tipos. Precisa fomentar, criar oportunidades e condições para que os
verdadeiros promotores de eventos desenvolvam seus projetos;
j) No seu planejamento
estratégico não pode faltar programas de formação e capacitação dos artistas e
técnicos. Deve criar objetivos e metas que possam ser alcançados. Não pode
trabalhar de forma empírica e ao sabor do vento. Do vento do orçamento, do aval
do prefeito, da boa vontade da secretaria da fazenda. Se há planejamento
financeiro, há disponibilidade orçamentária. Os imprevistos podem ser sanados
com os parceiros locais. E, os parceiros não podem ser apoiadores de ocasião,
nem amigos afins, mas conectores que acreditam no processo de transformação
através da Cultura;
l) Seu principal foco deve ser a
reterritorialização. “Mesmo no âmbito da cultura global, surgem espaços
destinados aos produtos “típicos”. A reterritorialização contemporânea, com a
emergência cultural das cidades e regiões, tem sido a contrapartida da
globalização cultural. Assim, o panorama
atual aponta para um desigual e combinado processo de glocalização” (RUBIM,
2006). Sem valorização do local não consegue ganhar apoio da comunidade
cultural. Fica isolado, desacreditado e dá a impressão de que não faz nada. E
quando faz, passa despercebido;
m) Suas estratégias devem
envolver o Conselho Municipal de Cultura, a captação de recursos para o Fundo
Municipal de Cultura e selar de vez o Sistema Municipal de Cultura;
n) Deve promover a participação
efetiva dos artistas locais em grandes datas comemorativas, a exemplo do
Carnaval, São João, Réveillon, aniversário da Cidade, dando-lhes condições dignas
com camarins próprios, cachês justos e tratamento semelhante ou melhor do que
os artistas visitantes.
Ora, uma ação de governo que se
pretenda progressista, ou transformadora, tem a Cultura como prioridade,
assinala TURINO (2009). Não dá para agir assim se os gestores culturais
continuarem com esta visão estrábica e, também, míope! O que requer aí um outro
artigo para esclarecer – e convencer – de que um verdadeiro gestor da cultura
tem que ter olho de tandera. Sua capacidade de enxergar tem que ir além do que
está no seu campo de visão.
Sem
alinhamento não há convergência
Se ele consegue municipalizar a
Cultura e ampliar o orçamento vira referência. É copiado, lembrado e apontado como
figura ímpar, e seu nome estará nos anais da história. Se não conseguir, e nem
sequer pensar assim, cada olho – assim como no estrabismo – irá formar uma
imagem diferente do objeto. Afinal, sem alinhamento, não há convergência. É
claro que neste cenário aparentemente caótico existem bons exemplos que se
espalham pelo país, como o Município de Goiana, em Pernambuco, onde são
investidos 2% do orçamento anual em Cultura. “Estamos escrevendo uma nova
página na rica e singular história de Goiana. Somos hoje a cidade que, além de
possuir um tecido cultural diversificado, nos preocupamos em fomentar e
garantir subsídios para que o fazer cultural seja valorizado”, disse o
prefeito Fred Gadelha, em entrevista na página oficial da prefeitura da cidade.
Imagine um Conselho de Cultura
que não compreende seu papel e sua função. Agora, some-se a isso um gestor
cultural despreparado e divergente. Qual o resultado? Uma política cultural
inexistente e um sistema inoperante.
Todos
estes aspectos aqui elencados devem ser considerados de forma conjunta e nunca
isoladamente. Senão, sua administração recairá em uma ou mais classificações
estrábicas. Porém, se o seu planejamento excluir qualquer forma imediatista,
estará priorizando escolhas de médio e longo prazos, dando a todos a
possibilidade de escolhas e contemplando as várias dimensões da cultura sem nenhum
preconceito ou dirigismo: “O Estado tem de estar a serviço da sociedade e nunca
o contrário” (TURINO 2009). Segundo ele para que a administração pública cresça
é preciso “assumir uma postura mais humilde e menos impositiva quanto à
proposição e execução de programas”. É desta maneira que Estados e Municípios
podem se tornar articuladores, jamais produtores.
Considerações finais
Afirmar que: os governos
municipais não se dão conta que colocam na pasta da cultura pessoas com visão
estrábica não faz desta sentença uma regra. Afinal, toda regra tem exceção.
Melhor, exceções. E mais, garantir o investimento de 1% - como prevê a PEC 421
- ou 2% como deseja o Município de Goiana para o fomento, não são suficientes
para a construção de uma política cultural de descentralização de recursos. Há
de se considerar as forças artístico-culturais, organizadas, que tentarão
cooptar o maior número possível de investimentos para suas áreas. E, se o
gestor não tiver a capacidade de saber “dividir o bolo”, controlar os egos,
fortalecer as tradições, impor limites e provocar intervenções, dificilmente
teremos ações estruturantes, projetos sustentáveis e programas de
fortalecimento para a diversidade cultural.
E, quando as forças organizadas
se deslocam como tratores contra os gestores estrábicos, eles, acuados, sem
planejamento, partem para uma política de eventos – imediatista - na contramão
da política cultural, formando “um conjunto de programas isolados – que não
configuram um sistema, não se ligam necessariamente a programas anteriores nem
lançam pontes necessárias para programas futuros – constituídos por eventos
soltos uns em relação aos outros” (COELHO, 2004).
O
gestor cultural precisa pensar localmente, agir globalmente e se fortalecer coletivamente.
O desejo de construir em conjunto, de unir forças não o torna incapaz na
condução de seus trabalhos. Pelo contrário, demonstra liderança, legitimidade,
segurança, competência e capacidade de congregar em um mesmo ambiente,
pensamentos divergentes, ações estruturantes e relações horizontais.
[1] Pawlo Cidade é escritor, produtor e gestor cultural.
Autor da cartilha “Como Transformar a Cultura em um bom negócio – 17 perguntas
para você se torna um empreendedor cultural”, Editora A5, Itabuna, Bahia, 2014.
REFERÊNCIA
TURINO, Célio. Uma gestão cultural transformadora,
2009. Disponível em: http://www.fmauriciograbois.org.br/cultura/index.php?option=com_content&view=article&id=10:gestao Acesso
em: 21 de nov. 2015.
RUBIM, A. A. C. Políticas Culturais entre o
possível e o impossível. In: Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura,
2., 2006. Salvador-Bahia.
BOTELHO, Isaura. Dimensões da cultura e políticas
públicas, 2001. Disponível em: http://www.guiacultural.unicamp.br/sites/default/files/botelho_i_dimensoes_da_cultura_e_politicas_publicas.pdf Acesso
em 21 de nov. 2015.
COELHO, Teixeira. Dicionário crítico de política
cultural. São Paulo: Editora Iluminuras, 2004. 300 p.
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