sexta-feira, 27 de agosto de 2010

A IMORTALIDADE NA RUA DOS TIJOLOS INGLESES


Senhor Presidente, confrades, confreiras, autoridades, meus amigos, minhas amigas, meus irmãos, minha família. Saúdo a todos dizendo que o orgulho é a lâmina que fere, mas a humildade é a libertação da alma. É afirmando este pensamento, alicerçado em pilares como honra, respeito, dignidade, honestidade e muito, muito amor, herdados do meu pai Getúlio Soares, o “GG” para os íntimos, e Maria Eutália, minha mãe, tão carinhosamente chamada por muitos de “Tatai”, “Marita”, “Tia Marita” que dou início aos meus agradecimentos.
Meu pai nos deixou há dez anos e minha mãe há três. Se estivessem vivos, estariam sentados aí, do lado de vocês, sorrindo, felizes, regozijados e convictos de que cumpriram os seus papéis. Foi por eles e com eles que eu trilhei o caminho que me trouxe aqui, hoje, nesta noite, para fazer parte desta mesa de ilibadas personalidades que dignificam e dignificaram o brio desta Academia.
Deus, em Sua infinita bondade me concedeu a honra de ter como patrono da cadeira que hoje ocupo, o inigualável Antonio Frederico de Castro Alves. O filho de Dona Clélia Brasília da Silva Castro e do Dr. Antonio José Alves que nasceu no dia de fundação desta Academia, 14 de março, que por justa homenagem é também chamado de Dia da Poesia. Coincidentemente, ao se apaixonar pela atriz Eugênia Câmara, Castro Alves entusiasma-se pela vida teatral e escreve o drama “Gonzaga”. Nesta mesma época ele consagra-se o poeta que se tornou.
(...)
O fundador desta cadeira, meus amigos, é nada mais, nada menos que o homem que levou Ilhéus para os quatro cantos deste planeta. Ele fez com que os visitantes que aqui se hospedam acreditar na existência de personagens como Nacib, Gabriela, Tonico Bastos etc; o homem que fez os quitutes de Dona Flor ganharem o mundo; os gritos de Pedro Bala serem ouvidos; as loucuras de Tiêta serem contestadas; os santos ganharem vida e um gato se apaixonar por uma andorinha. Eu falo do homem que escolheu Ilhéus como seu lar, que viu seu pai ser ferido numa tocaia dentro de sua fazenda, fugiu do colégio interno, fundou jornais, virou comunista, advogado, deputado e acima de tudo escritor. O escritor, filho de Seu João Amado de Faria e de Dona Eulália Leal. O escritor Jorge Amado.
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A antecessora desta cadeira, foi esposa de Jorge por 56 longos anos. Cúmplice, analista, memorialista, fotógrafa. Ela, uma leitora entusiasta de Jorge Amado que se apaixonou por ele trabalhando junto no movimento pela anistia dos presos políticos. Era ela quem passava a limpo, à máquina, os originais de Jorge e auxiliava-o no processo de revisão. Escreveu seu primeiro romance aos 63 anos de idade. Seu livro de estreia “Anarquistas, graças a Deus” vendeu mais de 200 mil exemplares. Ela escreveu nove livros de memórias, três livros infantis, uma fotobiografia e um romance chamado “Crônica de uma namorada”. Sim, a antecessora desta cadeira foi Zélia Gattai Amado.
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O fato, meus amigos, é que eu já sentei no chão do banheiro, enquanto via minhas lágrimas se misturarem com a água que escorria pelo chuveiro. Já corri tanto até não agüentar mais. Subi no telhado da vizinha querendo ver a filha dela tomar banho. Já ouvi tantos “nãos” da minha mãe que me tranquei no quarto sem querer falar mais com ninguém. Briguei com o meu pai porque ele não queria que eu fosse a uma festa. Mandei meu avô ir cantar coco só porque ele não me deu dinheiro para comprar um sorvete.
(...) Já plantei uma árvore, já colhi cacau, mandioca, milho. Tive um filho, perdi outro. Já amei muitas vezes, e sofri muitas vezes também. Até que um dia eu aprendi que não adiantava correr atrás das borboletas. Era preciso cuidar primeiro do meu jardim.
Já fui ajudante de pedreiro, auxiliar administrativo, mecanógrafo, estagiário, membro do centro cívico, menino de recados, namorador, desenhista, letrista, pintor, balconista, chefe de seção, coordenador pedagógico, professor.
(...) Minha Tia Avó acredita que eu herdei o dom da escrita do meu bisavô Manoel Pedro das Dores Bombinho... É dele um dos mais raros poemas da literatura brasileira com 5.984 versos sobre o mesmo tema. Bombinho, como era chamado, escreveu “Canudos, história em versos” em 1897 e 1898.
Não sei se serei um dia um Jorge Amado ou uma Zélia Gattai. “Tenho pensamentos que, se pudesse revelá-los e fazê-los viver, acrescentariam nova luminosidade às estrelas, nova beleza ao mundo e maior amor ao coração dos homens” (Fernando Pessoa). O tempo, as coisas, a vida me ensinou que melhor que ter dinheiro é ter amigos. E que “a gratidão é o único tesouro dos humildes” (Shakespeare).
O fato é que “há homens que desistem de lutar. Estes são dispensáveis. Há homens que nunca desistem de lutar. Estes são imprescindíveis. Por isso eles são imortais”.
O certo mesmo é que combati o bom combate, batalhei por minha carreira e guardei minha fé.
Obrigado, meu Deus. Obrigado, meus amigos, obrigado a todos vocês!

(1) Resumo do discurso de posse na Academia de Letras de Ilhéus, dia 26 de agosto de 2010. Pawlo Cidade ocupa hoje a cadeira número 13.
(2) A rua Antônio Lavigne de Lemos, onde está localizada a Academia de Letras, é também chamada de Rua dos Tijolos Ingleses. Foi a primeira rua a ser pavimentada na cidade de Ilhéus, com paralelepípedos vindos da Inglaterra, que serviam de lastro de um navio que aqui veio buscar mercadorias.

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QUEM É PAWLO CIDADE?

COMO COMEÇOU SUA TRAJETÓRIA CULTURAL?   Tudo começou pelos quadrinhos. Meus professores e, sobretudo, meus pais foram grandes incentivadores...